A Guerra dos Canudos é um dos eventos mais emblemáticos da história de resistência indígena e negra no Brasil. O conflito transcorreu entre 1896 a 1897, por conta do interesse de fazendeiros e militares em dizimar uma comunidade de sertanejos, localizada no nordeste e comandada por Antônio Conselheiro, um líder sóciorreligioso.
O que foi Canudos e como surgiu?
De modo geral, a Guerra de Canudos foi um confronto armado que se deu entre os membros de um movimento popular de cunho religioso que habitava em uma comunidade chamada de Canudos, no interior da Bahia, e o Exército Brasileiro.
O conflito, que ocorreu entre 1896 e 1897, teve como pano de fundo as péssimas condições de vida dos habitantes da região do arraial de Canudos, esta marcada por seca, desemprego e latifúndios improdutivos.
Após o fim da escravidão, o Brasil enfrentava uma série de problemas de ordem econômica e social, afinal, os donos das fazendas tinham perdido a mão de obra que sustentava a produção agrícola e a extração de minérios – na época, as principais atividades econômicas do país. O cenário piorou ainda mais após a terrível seca de 1796, a qual dizimou milhares de lavouras e matou muita gente de fome.
Enquanto isso, no panorama social, os escravos, agora libertos, perambulavam pelas terras secas sem ter para onde ir ou o que comer. Um destes marginalizados foi Antônio Conselheiro, homem que, assim como muitos da região, tinha sofrido derrotas na vida: foi demitido, investiu em trabalhos que não deram certo e perdeu a mulher para o amante.
Relação de Antônio Conselheiro e Canudos
Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro, nasceu em 13 de março de 1830, na cidade de Quixeramobim, no Ceará, oriundo de uma família tradicional da região. Antes de chegar a Canudos, levava a vida como comerciante, professor e advogado.
Após ser abandonado pela esposa, Antônio Conselheiro passou a vagar pelos sertões por aproximadamente vinte e cinco anos, como uma espécie de cangaceiro místico, dando conselhos para as pessoas (daí o apelido) e estimulando-as a viver de forma humilde, conforme as doutrinas da Igreja Evangélica.
Não demorou muito para que outras pessoas igualmente sem rumo se juntassem a ele, até que, em 1890, já tinha reunido mais de 8 mil seguidores. Como nenhuma dessas pessoas tinha para onde ir, resolveram encontrar um porto seguro naquele mar de terra infértil, sendo ali que, em 1893, se estabeleceram em uma das muitas terras improdutivas da região. A escolhida pelo líder foi a lavoura abandonada de Belo Monte, depois renomeada para arraial de Canudos.
Os anos de andança deram a Antônio Vicente uma visão de mundo bem peculiar. Ele era contra o modelo da então República Velha recém-implantada no país, pois acreditava que esse sistema representava a encarnação do mal na Terra. Questões como a separação entre Igreja e Estado e o casamento civil, entre outras, eram para ele uma prova de que o mundo se encaminhava para o fim, e que era preciso buscar desde agora uma salvação.
Com esse discurso religioso e antirrepublicano, Conselheiro arregimentou uma multidão de fiéis, que, inconformados com a vida miserável, viram em sua figura uma espécie de salvador.
O discurso de Antônio Conselheiro desagradou muita gente. Os religiosos da região não viam com bons olhos a presença de um homem tido como líder espiritual que, de certa forma, deixava o poder da Igreja em segundo plano. Também os grandes latifundiários da região se incomodavam com o grande fluxo de pessoas que chegava diariamente, e ao Governo desagradava o discurso antirrepublicano.
Rapidamente, a comunidade de Canudos transformou-se em um antro de esperança àqueles que tinham sido esquecidos pelo governo brasileiro. Lá, era cultivado milho e feijão e extraia-se leite e carne de cabra, que serviam para o consumo próprio, bem como para a exportação a outros países, dentre eles Portugal e os Estados Unidos. Em suma, o Arraial (como era chamado) floresceu com a força dos desvalidos e chegou a abrigar 25 mil pessoas que ali encontraram a oportunidade de viver com dignidade.
Para se ter uma ideia, a proporção da comunidade de Canudos se tornou tão grande que quase ultrapassou a população de Salvador, na época com cerca de 20 mil habitantes. Uma das cidades mais influentes da região, Juazeiro do Norte, era consideravelmente menor do que Arraial – tinha somente 3 mil moradores.
A afronta de Canudos aos interesses político-econômicos
Antônio Conselheiro tinha ideias monarquistas e muito relacionas a uma linha religiosa evangélica. Seu posicionamento, no entanto, não era muito apreciado pelas autoridades da região. Certa vez, estes foram cobrá-lo para que pagasse impostos referentes à sua produção. Eis o que ele respondeu: “Vocês nunca me deram nada e agora tenho que contribuir com vocês?”.
Por consequência do comportamento militante que a comunidade ganhou, Canudos tornou-se nacionalmente conhecida como uma república de monárquicos e rebeldes marginalizados. Uma posição tão irreverente para os padrões da época chamou a atenção das autoridades que decidiram intervir na situação de uma maneira nada convencional.
Início do conflito
Em outubro de 1896, com o intuito de construir uma nova igreja, Antônio Conselheiro havia encomendado uma remessa de madeira que viria de Juazeiro, a fim de reformar a Igreja do Arraial. Apesar de ter sido paga, a madeira acabou não sendo entregue. Temendo algum tipo de conflito caso os seguidores de Conselheiro fossem até a cidade para buscar a madeira, as autoridades de Juazeiro solicitam um pedido de assistência ao governo estadual baiano, que envia um destacamento policial de cem praças para evitar qualquer problema.
Após vários dias de espera em Juazeiro, o destacamento policial resolve partir em direção a Canudos. Mas, nas proximidades da cidade de Uauá, a tropa foi surpreendida pelos seguidores de Antônio Conselheiro, que somavam mais de 300 homens.
Durante essa passagem, houve um confronto direto entre militares e sertanejos, que resultou na morte de 10 soldados e 150 homens da comunidade. Passadas várias horas de combate, os dois lados recuaram com várias baixas.
Todavia, mesmo os Canudos tendo perdido a batalha, o Governo considerou a atitude um ato de rebeldia e resolveu dar um fim definitivo ao Arraial: agora, seus moradores eram considerados criminosos, e um segundo ataque era questão de tempo.
A primeira tentativa
Na primeira tentativa, enviaram 500 pracinhas fortemente armados, mas a população de Canudos, já sabendo da visita, preparou uma emboscada e dizimou a tropa, que deixou até as armas para trás.
A segunda tentativa
Na segunda investida militar estavam envolvidos um exército de 1.500 homens comandados pelo coronel Antônio Moreira César, a pedido do então presidente Prudente de Moraes (apelidavam-no, na época, de “Prudente de Mais”, por ter demorado a reagir ao massacre dos Canudos).
Moreira Cesar era um militar de renome dentro do exército brasileiro, e popularmente conhecido como “corta-cabeças”, por conta de sua atuação contra a Revolução Federalista em Santa Catarina.
Em sua viagem ao Rio de Janeiro até Monte Santo, o líder da tropa cometeu dois erros: primeiro, antes de ir ao combate, preferiu almoçar, tendo dois ataques epiléticos que atrasaram a chegada e alarmaram os Canudos. Segundo, quando chegaram ao Arraial, o comandante, convencido da fraqueza do povoado, ordenou que a guerra começasse sem armas. Assim, mais uma vez, os Canudos derrotaram os invasores.
A terceira tentativa
A partir dessa nova derrota, o governo federal se mostrou disposto a acabar com a revolta de uma vez por todas. Chefiada pelo general Artur Oscar de Andrade Guimarães, contava com mais de oito mil soldados especializados e equipados com as mais modernas máquinas de guerra da época, como canhões e fuzis carregados, por uma tropa liderada pelo ministro da guerra, Marechal Carlos Bittencourt.
Fim da Guerra de Canudos
Os combates da terceira investida começaram em junho de 1897. Depois de sofrerem perdas consideráveis, os atacantes chegaram a Canudos. Apesar da superioridade numérica, as tropas federais não conseguiram entrar na comunidade.
Os combates se estenderam até setembro, e finalmente o exército conseguiu fechar o cerco sobre o arraial. A morte de Antônio Conselheiro, em 22 de setembro, supostamente em decorrência de uma disenteria, diminuiu o ímpeto dos homens de Canudos, que passaram a sofrer várias derrotas.
Canudos resistiu até 5 de outubro de 1897. O cadáver de Antônio Conselheiro foi exumado e sua cabeça decepada, e a comunidade foi arrasada e incendiada. Parte da população que se rendeu ao exército acabou sendo executada. Estima-se que mais de 25 mil pessoas perderam a vida no conflito.
Junto aos soldados estava o jornalista da Folha de São Paulo, Euclides da Cunha, o qual aceitou a viagem convicto de que presenciaria o fim de uma rebelião monárquica no país. Chegando lá, avistou um verdadeiro massacre: os jacobinos mataram um a um todos os 25 mil habitantes de Canudos, inclusive, decapitaram Antônio Conselheiro, para que seu cérebro fosse estudado pelo cientista Nino Rodrigues.
Como a testemunha de um genocídio, Euclides da Cunha retrata a história deste Brasil alternativo e faminto na obra prima “Os Sertões”. Nela, ele inicia com as palavras: “trata-se de um crime, vamos denunciá-lo”. Sua reflexão acerca do assunto foi tão revolucionária e de tamanha sensibilidade que o livro é cobrado em provas e vestibulares até hoje.
Ficou interessado pelo assunto? Então, fique sabendo que, no YouTube, há disponível o filme completo sobre a Revolução de Canudos, dirigido pelo diretor Sérgio Rezende. Confira mais, abaixo:
Caso ainda tenha ficado alguma dúvida, confira este vídeo no qual o jornalista Eduardo Bueno explica detalhadamente o conflito!